Biografia de Muhammad

Um breve olhar na condição social e política da Península Arábica antes do nascimento do Profeta Muhammad.

Um olhar na vida do Profeta antes da revelação.

Um relato detalhado de como o Profeta, que Deus o louve, recebeu suas primeiras revelações de Deus.

Os dias iniciais da missão do Profeta do Islã e a perseguição aos adeptos do Islã.

Os principais eventos que levaram à emigração dos muçulmanos para Medina.

Um relato detalhado da migração do Profeta de Meca para Medina.

Os desafios de estabelecer uma nova cidade-estado em Medina.

Uma das batalhas mais decisivas na história humana mudou o equilíbrio político da Península Árabe.

Erros em Uhud levam a grandes perdas de vida, e uma nova tática revela a vitória para os muçulmanos.

A vitória oculta de um tratado de não-agressão entre os muçulmanos e os mecanos.

Eventos que levaram à conquista de Meca, e finalmente ao término da idolatria na Arábia.

A Peregrinação do Profeta, que a misericórdia e bênçãos de Deus estejam sobre ele, e sua morte.

Biografia de Muhammad

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(parte 1 de 12): As Condições da Arábia Antes da Profecia

 

 

A Arábia naquele período estava dividida em três áreas de influência.  O norte vivia sob a sombra de dois grandes impérios, o Bizâncio cristão e a Pérsia zoroastrina, impérios em guerra perpétua tão equiparada que um não conseguia vitória definitiva sobre o outro.  Nas sombras desses poderes viviam os árabes da região norte com alianças divididas e inconstantes

O sul era a terra dos perfumes árabes, chamada pelos romanos de “Arábia Félix.” (atualmente Iêmen e região sul da Arábia Saudita). Era uma propriedade desejável.  A conversão do governante etíope, o Negus, ao Cristianismo levou seu país à aliança com Bizâncio, e foi com a aprovação bizantina que os etíopes tomaram posse desse território fértil no início do século sexto.  Antes de sua ruína nas mãos de um conquistador implacável, entretanto, os habitantes do sul tinham aberto os desertos da Arábia central ao comércio, introduzindo certa organização à vida dos beduínos que serviam como guias para suas caravanas e estabeleceram postos de comércio nos oásis.

Se o símbolo daquele povo sedentário era a árvore de olíbano, o da zona árida era a tamareira; de um lado o luxo do perfume, do outro o alimento necessário.  Ninguém poderia ter considerado o Hijaz – ‘onde nenhum pássaro canta e nenhuma grama cresce’ – de acordo com um poeta sulista – uma propriedade desejável.  As tribos do Hijaz nunca tinham experimentado conquista ou opressão; nunca tinham sido obrigadas a chamar de ‘senhor’ nenhum homem.

A pobreza era sua proteção, mas é questionável se se consideravam pobres.  Para se considerar pobre deve-se invejar o rico, e eles não invejavam ninguém.  Sua fortuna estava em sua liberdade, em sua honra, em sua linhagem nobre, e no instrumento maleável da única arte que conheciam, a arte da poesia.  Tudo que nós agora chamamos de ‘cultura’ estava concentrado nesse instrumento.  Sua poesia glorificava a coragem e a liberdade, louvava o amigo e ironizava o adversário, exaltava a bravura dos homens da tribo e a beleza das mulheres, em poemas recitados do lado da fogueira ou na infinitude do deserto sob o vasto céu azul, testemunhando a grandeza dessa pequena criatura humana sempre viajando por regiões estéreis da terra.

Para o beduíno a palavra era tão poderosa quanto a espada.  Quando tribos hostis se encontravam para testes em batalha era comum que cada lado colocasse seu melhor poeta para louvar a coragem e nobreza de seu próprio povo e despreza o inimigo ignóbil.  Essas batalhas, na quais o combate entre campeões rivais era a característica principal, eram mais um esporte de honra do que uma guerra como agora entendemos o termo; eram tumultos, ostentação e exibicionismo, com muito menos baixas que as produzidas pela guerra moderna.  Serviam um propósito econômico claro através da distribuição de botim, e se o vitorioso usasse demais a sua vantagem iria contra o conceito de honra.  Quando um lado ou outro reconhecia a derrota os mortos de ambos os lados eram contados e os vitoriosos pagavam a dívida de sangue – reparações – para os conquistados, para que a força relativa das tribos fosse mantida em um equilíbrio saudável.  O contraste entre essa prática e as práticas da guerra civilizada é espantoso.

Entretanto, Meca era, e continua sendo, importante por uma razão diferente.  Lá está a Caaba, a primeira Casa construída para a humanidade adorar seu único Deus.  A antiga Caaba há muito tempo era o centro desse pequeno mundo.  Mais de 1.000 anos antes de Salomão construir o templo em Jerusalém, seu ancestral, Abraão, ajudado por Ismael, seu filho mais velho, suspendeu suas paredes sob fundações antigas.  Um certo Qusayy, chefe da poderosa tribo dos Coraixitas, estabeleceu um assentamento permanente lá.  Essa era a cidade de Meca (ou Baca). Perto da Caaba havia o poço de Zanzam.  Sua origem, também, remonta ao tempo de Abraão.  Foi esse poço que salvou a vida do bebê Ismael.  Como a Bíblia diz:

“E ouviu Deus a voz do menino, e bradou o anjo de Deus a Agar desde os céus, e disse-lhe: Que tens, Agar? Não temas, porque Deus ouviu a voz do menino desde o lugar onde está. Ergue-te, levanta o menino e pega-lhe pela mão, porque dele farei uma grande nação. E abriu-lhe Deus os olhos, e viu um poço de água; e foi encher o odre de água, e deu de beber ao menino. E era Deus com o menino, que cresceu; e habitou no deserto, e foi flecheiro.” (Gênesis 21:17-20) 

Ou, como o salmista canta:

“Que, passando pelo vale de Baca, faz dele uma fonte; a chuva também enche os tanques.” (Salmos 84:6)

As circunstâncias da época favoreceram o desenvolvimento de Meca como um centro comercial de destaque.  As guerras entre a Pérsia e Bizâncio tinham fechado as rotas de comércio mais ao norte entre o oriente e o ocidente, enquanto que a influência e prosperidade do sul da Arábia tinham sido destruídas pelos etíopes.  Além disso, o prestígio da cidade foi intensificado por seu papel como um centro de peregrinação, e os Coraixitas, como curadores da Caaba, desfrutavam do melhor de ambos os mundos.  A combinação de nobreza – a descendência árabe de Abraão através de Ismael – com riqueza e autoridade espiritual lhes deu base para acreditar que seu esplendor, comparado com o de qualquer outro povo na terra, era como o esplendor do sol comparado ao brilho das estrelas.

Mas a distância no tempo dos grandes patriarcas e profetas assim como seu isolamento nos desertos áridos da península provocaram o surgimento da idolatria.  Acreditando na intercessão de deuses menores com o Ser Supremo em seus rituais de adoração, mantinham a crença que suas deidades possuíam o poder de levar suas orações ao Deus Supremo.  Cada região e clã, de fato cada casa, tinha seu próprio pequeno ‘deus’ em separado.  Trezentos e sessenta ídolos tinham sido instalados dentro da Caaba e seu pátio - a casa construída por Abraão para a adoração do Único Deus.  Os árabes na verdade prestavam honras divinas não apenas a ídolos esculpidos mas veneravam tudo que fosse sobrenatural.  Acreditavam que os anjos eram filhas de Deus.  Bebedeira e jogatina eram comuns.  O infanticídio feminino era comum onde as meninas recém-nascidas eram enterradas vivas.

(parte 2 de 12): Do Nascimento à Idade Adulta

O Nascimento do Profeta

Foi no ano de 570 da Era Cristã que o Profeta Muhammad, que a misericórdia e bênçãos de Deus estejam sobre ele, nasceu em Meca, uma cidade na atual Arábia Saudita.  Seu pai, Abdullah, era um tataraneto de Qusayy, o fundador de Meca, e pertencia à família Hashimita de Coraix.  Sua mãe, Amina, era descendente do irmão de Qusayy.  Ao retornar com uma caravana da Síria e Palestina, Abdullah parou para visitar parentes em um oásis ao norte de Meca, ficou doente lá e morreu vários meses antes do nascimento de seu filho.

Era costume enviar os filhos dos Coraixitas para o deserto para serem amamentados por uma mãe-de-leite e passar sua primeira infância com uma tribo beduína.  Fora considerações de saúde, isso representava um retorno às suas raízes, uma oportunidade de experimentar a liberdade que acompanha a vastidão do deserto.  O Profeta Muhammad foi levado por Halima e passou quatro ou cinco anos com essa família beduína, pastoreando ovelhas assim que teve idade suficiente para andar, aprendendo os modos do deserto.

Quando estava com seis anos, pouco depois de ter se reunido à sua mãe, ela o levou para uma visita a Yathrib, onde seu pai havia morrido, e ela própria ficou doente com uma das febres que predominavam no oásis, morrendo na viagem de volta para casa.  Muhammad então ficou sob a custódia de seu avô, Abdul-Muttalib, chefe do clã Hashimita.  Quando o menino estava com oito anos de idade Abdul-Muttalib morreu e ele ficou sob os cuidados do novo chefe Hashimita, seu tio Abu Talib.  O Profeta Muhammad pastoreava ovelhas e quando alcançou a idade de nove anos foi levado por seu tio na viagem de caravana para a Síria, para que aprendesse a arte do comércio.

Continuou trabalhando como mercador, e logo criou uma reputação.  Entre as fortunas substanciais de Meca estava a de Khadija, que enviuvara duas vezes.  Impressionado pelo que ouviu de Muhammad, que era agora comumente conhecido como al-Amin, ‘o confiável’, ela o empregou para levar sua mercadoria à Síria.  Ainda mais impressionada por sua competência, quando sua tarefa foi completada, do que por seu charme pessoal, ela enviou uma proposta para casamento.  Por essa época o Profeta Muhammad tinha vinte e cinco anos e Khadija quarenta.  Khadija presenteou seu marido com um jovem escravo, Zaid, que foi então libertado por Muhammad.  Quando os parentes de Zaid vieram para resgatá-lo, sua afeição por seu benfeitor era tão grande que ele escolheu permanecer com o Profeta Muhammad.  Khadija deu a Muhammad seis filhos, incluindo um menino, Qasim, que morreu antes de seu segundo aniversário.

O Profeta Muhammad era agora um homem de posses, respeitado na comunidade, admirado por sua generosidade e seu bom senso.  Seu futuro parecia garantido.  No devido curso, por ter restabelecido a prosperidade de seu clã, ele se tornaria um dos líderes mais influentes da cidade e terminaria sua vida, talvez, como seu avô, reclinado na sombra da Caaba lembrando os longos anos bem vividos em termos terrenos.  Ainda assim seu espírito estava inquieto e ficou ainda mais quando se aproximou da meia-idade.

Os Hunafas

Os mecanos reivindicavam descendência de Abraão através de Ismael e seu templo, a Caaba, tinha sido construído por Abraão para a adoração do Deus Único.  Continuava a ser chamada a Casa de Deus, mas os principais objetos de adoração passaram a ser vários ídolos colocados em seu interior, esculturas de deidades que acreditavam serem as filhas de Deus que agiam como intercessoras.  Os poucos que repugnavam essa idolatria que havia prevalecido por séculos ansiavam pela religião de Abraão.  Os que buscavam pela verdade eram conhecidos como Hunafas, uma palavra que originalmente significava “aqueles que se afastam” da adoração de ídolos.  Esses Hunafas não formavam uma comunidade, e buscavam a verdade através da luz de suas próprias consciências.  Muhammad filho de Abdullah era um deles.

(parte 3 de 12): As Primeiras Revelações

Foi por essa época que o Profeta começou a ter sonhos agradáveis que se provaram verdadeiros.  Ele também começou a sentir uma necessidade crescente por solidão, e isso o levou a buscar reclusão e meditação nas montanhas rochosas que cercavam Meca.  Lá ele se retirava por dias, levando provisões, e retornava para sua família para mais provisões.  No calor do dia e durante as noites claras do deserto, quando as estrelas pareciam afiadas o bastante para penetrar o olho, sua própria substância se saturava com os ‘sinais’ nos céus, para que ele servisse como um instrumento totalmente adequado para uma revelação já inerente nesses ‘sinais’.  Foi então que ele passou por uma preparação para a enorme tarefa que seria colocada sob seus ombros, a tarefa da missão profética e de transmitir a verdadeira religião de Deus para seu povo e o resto da humanidade.

Veio em uma noite no final do mês sagrado de Ramadã, a noite conhecida pelos muçulmanos como Laylat-ul-Qadr, a ‘Noite do Decreto’.

 

 

Caverna de Hira (vista aérea).  O Profeta Muhammad costumava meditar nessa caverna com frequência.  As primeiras revelações do Alcorão vieram para ele aqui.

 

O Profeta Muhammad estava em solidão na caverna no Monte Hira.  Foi surpreendido pelo Anjo da Revelação, Gabriel, o mesmo que tinha vindo para Maria, a mãe de Jesus, que o segurou em um abraço.  Uma única palavra de comando irrompeu sobre ele: ‘Iqra’  - ‘Leia![1]’  Ele disse: ‘Não sei ler!’  mas o comando foi emitido mais duas vezes, cada vez com a mesma resposta do Profeta.  Finalmente ele foi pego com força esmagadora pelo anjo.  Gabriel o libertou e a primeira “recitação” do Alcorão foi revelada a ele:

“Lê, em nome do teu Senhor Que criou; Criou o homem de algo que se agarra.  Lê, que o teu Senhor é Generosíssimo, Que ensinou através do cálamo, Ensinou ao homem o que este não sabia.” (Alcorão 96:1-5)

Assim começou a magnífica história da revelação final de Deus para a humanidade até o fim dos tempos.  O encontro de um árabe, quatorze séculos atrás, com um ser do campo do Invisível foi um evento de tamanha significância que moveu povos inteiros em toda a terra e afetou as vidas de centenas de milhões de homens e mulheres, construindo grandes cidades e grandes civilizações, provocando o confronto de poderosos exércitos e fazendo surgir da poeira beleza e esplendor antes desconhecidos.  Também trouxe multidões aos Portões do Paraíso e, além disso, para uma visão beatífica.  A palavra Iqra, ecoando ao redor dos vales do Hijaz, quebrou o molde no qual o mundo conhecido era modelado; e esse homem, sozinho entre os rochedos, colocou sob seus ombros o fardo que teria esmagado as montanhas se tivesse sido colocado sobre elas.

O Profeta Muhammad estava com quarenta anos e havia alcançado a idade da maturidade.  Pode-se dizer que o impacto desse encontro tremendo desfez sua substância.  A pessoa que ele tinha sido era como uma pele queimada pela luz, e o homem que desceu da montanha e buscou refúgio nos braços de sua esposa Khadija não era o mesmo homem que a subiu.

Naquele momento, era como um homem perseguido.  Quando desceu, ouviu uma grande voz gritando: ‘Muhammad, tu és o Mensageiro de Deus e eu sou Gabriel.’  Ele olhou para cima e o anjo encheu o horizonte.  Para onde quer que se voltasse, a figura estava lá, inescapavelmente presente.  Ele correu para casa e gritou para Khadija: ‘Cubra-me! Cubra-me!’ Ela se deixou, colocou um manto sobre ele e assim que ele se recobrou um pouco contou a ela o que havia acontecido.  O Profeta temia por si mesmo.  Ela o abraçou e confortou:

“Nunca! Por Deus, Ele nunca o desgraçará.  Você mantém boas relações com seus parentes, ajuda os pobres, serve seus hóspedes de forma generosa e ajuda aqueles atingidos por calamidades.” (Saheeh Al-Bukhari)

Ela viu em seu marido um homem que Deus não humilharia por causa de suas virtudes e honestidade, justiça e por ajudar aos pobres.  A primeira pessoa na face da terra a acreditar nele foi sua própria esposa, Khadija.  Imediatamente ela foi ver seu tio Waraqa, um estudioso da Bíblia.  Depois de ouvir o relato da experiência de seu marido, Waraqa o reconheceu das profecias da Bíblia como sendo o profeta esperado, e confirmou que o que apareceu para ele na caverna era de fato o anjo Gabriel, o Anjo da Revelação:

“Esse é o Protetor de Segredos (Gabriel) que veio para Moisés.” (Saheeh Al-Bukhari)

O Profeta continuou a receber revelações pelo resto de sua vida, memorizadas e escritas por seus companheiros em pedaços de couro de ovelha e o que mais estivesse a mão.

O Alcorão ou “Recitação”

As palavras trazidas a ele de Gabriel são consideradas sagradas pelos muçulmanos e nunca são confundidas com aquelas que ele próprio emitiu.  As primeiras são o Livro Sagrado, o Alcorão; as segundas são o Hadith ou Sunna do Profeta.  Como o anjo Gabriel recitou o Alcorão oralmente ao Profeta, o Livro Sagrado é conhecido como Alcorão, “A Recitação”, a recitação do homem que não sabia ler.

 


Footnotes:

[1] A palavra ‘leia’ em árabe tem conotações de ler e recitar.

(parte 4 de 12): Perseguição em Meca

Primeiros Convertidos

Pelos primeiros poucos anos de sua Missão, o Profeta pregou para sua família e amigos íntimos.  A primeira mulher a se converter foi sua esposa Khadija, a primeira criança foi seu primo de primeiro grau Ali, que estava sob seus cuidados, e o primeiro servo foi seu servo Zaid, um ex-escravo.  Seu velho amigo Abu Bakr foi o primeiro homem adulto livre a se converter.  Muitos anos depois o Profeta falou a respeito dele: ‘Nunca chamei ninguém para o Islã que não hesitasse inicialmente, com a exceção de Abu Bakr.’

Mais tarde veio a ordem para pregar abertamente e falar contra a idolatria.  A princípio os líderes dos Coraixitas foram capazes de ignorar esse estranho pequeno grupo, tratando Muhammad como um caso triste de auto-engano, mas depois começaram a se dar conta de que sua pregação, que estava atraindo adeptos entre os pobres e despossuídos (e podia, portanto, ser vista como subversiva), apresentava uma ameaça tanto à religião quanto à prosperidade de Meca.  Um conflito aberto, entretanto, seria contra seus interesses.  Seu poder dependia de sua unidade, e com o exemplo de Yathrib – destruída por conflito tribal – com um terrível alerta do que poderia acontecer em sua própria cidade, foram obrigados a aguardar seu momento.  Além disso, o clã Hashim, independentemente do que pensasse em particular de seu membro perigoso, era obrigado por força do costume a defendê-lo se atacado.  Restringiram-se no momento à zombaria, talvez a arma mais eficaz na defesa do homem comum contra o surgimento da verdade, uma vez que não envolve o nível de comprometimento inerente à violência.  Seu ex-guardião Abu Talib abriu mão de seu chamado para não prejudicar sua segurança e a segurança do clã.  ‘Ó meu tio’, disse ele, ‘mesmo se colocarem o sol em minha mão direita e a lua em minha mão esquerda, não abandonarei meu propósito até que Deus me conceda sucesso ou eu morra.’ Abu Talib respondeu com um suspiro: ‘Ó filho de meu irmão, eu não o abandonarei.’

A tensão na cidade aumentou gradualmente, mês a mês, à medida que a influência espiritual de Muhammad se espalhava, minando a hegemonia dos líderes dos Coraixitas e causando divisão em suas famílias.  Essa influência se tornou ainda mais perigosa para a ordem estabelecida quando o conteúdo de sucessivas revelações se ampliou para incluir a denúncia da insensibilidade da plutocracia de Meca, sua ambição por ‘mais e mais’ e sua avareza.  A oposição era agora liderada por um certo Abu Jahl, junto com Abu Lahab e o cunhado do segundo, um homem mais jovem que era mais sutil e talentoso do que ambos, Abu Sufyan.  Ao retornar um dia da caçada, Hamza, o tio de Muhammad, que até então tinha se mantido neutro, ficou tão irado ao saber dos insultos lançados ao seu sobrinho que procurou Abu Jahl, bateu em sua cabeça com seu arco e anunciou ali sua conversão ao Islã.

Começo da Perseguição

No final do terceiro ano, o Profeta recebeu o comando para “se erguer e admoestar”, depois do que começou a pregar em público, destacando a insensatez maléfica da idolatria em face das leis maravilhosas do dia e da noite, da vida e da morte, do crescimento e decadência, que manifestam o poder de Deus e atestam Sua Unicidade.  Foi então, quando começou a falar contra seus deuses, que os Coraixitas se tornaram ativamente hostis, perseguindo seus discípulos mais pobres, zombando dele e insultando-o.  A única consideração que os impedia que matá-lo era o medo da vingança de sangue do clã ao qual sua família pertencia.  Forte em sua inspiração, o Profeta continuou admoestando, pleiteando e ameaçando, enquanto os Coraixitas faziam tudo que podiam para ridicularizar seus ensinamentos e desanimar seus seguidores.

A Fuga para a Abissínia

Os convertidos dos primeiros quatro anos eram em sua maioria pessoas humildes para se defenderem contra a opressão.  A perseguição que sofreram foi tão cruel que o Profeta aconselhou que todos que tivessem meios emigrassem, pelo menos temporariamente, para a Abissínia (hoje Etiópia), onde seriam bem recebidos pelo Negus cristão, ‘um rei justo’.  Em torno de oitenta convertidos fugiram em 614 EC para o país cristão.

Essa aliança aparente com um poder estrangeiro enfureceu ainda mais os mecanos, e eles despacharam enviados para o Negus exigindo a extradição dos muçulmanos.  Um grande debate ocorreu na Corte e os muçulmanos ganharam o dia, primeiro por demonstrarem que adoravam o mesmo Deus dos cristãos, e então por recitarem uma das passagens corânicas referentes à Virgem Maria, depois do que o Negus chorou e disse: ‘Verdadeiramente isso veio da mesma fonte que Jesus trouxe.’

Apesar da perseguição e emigração, o pequeno grupo de muçulmanos cresceu em número.  Os Coraixitas ficaram seriamente alarmados.  A adoração de ídolos na Caaba, o lugar sagrado para o qual toda a Arábia peregrinava e do qual eram guardiães, era o primeiro de seus interesses.  Na estação da peregrinação eles colocaram homens em todas as estradas para alertar as tribos contra o louco que pregava em seu meio.  Tentaram fazer um acordo com o Profeta, oferecendo aceitar sua religião se ele a modificasse para acomodar seus deuses como intercessores com Deus.  Em troca, ofereceram fazer dele seu rei se ele abrisse mão de atacar a idolatria.  A constante recusa do Profeta Muhammad frustrou seus esforços na negociação.

Conversão de Umar

Ainda mais importante foi a conversão de um dos jovens mais formidáveis na cidade, Umar ibn al-Khattab.  Enfurecido pelo sucesso crescente da nova religião – tão contrária a tudo que ele cresceu acreditando – ele jurou matar Muhammad, que a misericórdia e bênçãos de Deus estejam sobre ele, a despeito das consequências.  Foi instruído que, antes de fazê-lo, desse uma olhada nos assuntos de sua própria família, porque sua irmã e o marido tinham se tornado muçulmanos.  Irrompendo em sua casa ele os encontrou lendo um capítulo chamado ‘Ta-Ha’ e quando sua irmã admitiu que haviam abraçado o Islã, ele a atingiu com um forte soco.  Um pouco envergonhado, ele então pediu para ver o que estavam lendo.  Ela lhe entregou o texto depois de insistir que ele fizesse ablução antes de segurá-lo, e enquanto lia esses versículos do Alcorão ele passou por uma repentina e total transformação.  A doce potência das palavras do Alcorão o mudou para sempre!  Ele foi diretamente a Muhammad e aceitou o Islã.

Homens como esse eram muito importantes na hierarquia social para serem atacados, mas a maioria dos novos muçulmanos era pobres ou escravos.  Os pobres eram espancados e os escravos torturados para fazê-los renunciar à sua fé, e havia pouco que Muhammad podia fazer para protegê-los.

Um escravo negro chamado Bilal foi preso nu no chão sob o sol escaldante com uma pesada pedra sobre seu peito e deixado para morrer de sede.  Foi insultado pelos pagãos para renunciar à sua religião em troca de ser libertado da tortura, mas sua única resposta foi ‘Ahad! Ahad!’ (‘Deus é Um! Deus é Um!’). Foi nesse estado, perto da morte, que Abu Bakr o encontrou e resgatou por uma taxa exorbitante.  Foi tratado na casa de Muhammad e se tornou um dos mais próximos e amados entre os companheiros.  Quando, muito mais tarde, surgiu a questão de como os crentes deviam ser convocados para a oração, Bilal se tornou o primeiromuezzin (o chamado para a oração anunciado em voz alta a partir do local muçulmano de adoração, chamado masjid) do Islã: um negro alto e magro com uma voz poderosa e, por assim dizer, o rosto de um corvo sob uma cabeleira grisalha; um homem que o sol havia queimado, durante seu tormento, tudo por amor ao Único e ao mensageiro do Único.

Destruição do Sahifah

Frustrados em todos os lados, a oligarquia mecana, sob a liderança de Abu Jahl, escreveu um documento formal declarando o banimento ou boicote contra o clã Hashim como um todo; não haveria transações comerciais com eles até que banissem Muhammad, e ninguém se casaria com uma mulher dos Hashim ou daria sua filha para um homem do clã.  Então, por três anos, o Profeta foi confinado com toda sua parentela em sua fortaleza, que era situada em um dos desfiladeiros na direção de Meca.

Com o tempo alguns corações mais gentis entre os Coraixitas se cansaram do boicote de antigos amigos e vizinhos.  Conseguiram fazer com que o documento, que havia sido colocado na Caaba, fosse trazido para reconsideração.  Descobriu-se que tudo que estava escrito havia sido destruído pelas formigas brancas, exceto as palavras Bismika Allahumma (“Em teu nome, Ó Deus”).  Quando os líderes viram aquela maravilha o banimento foi removido e o Profeta ficou novamente livre para andar pela cidade.  Enquanto isso, a oposição à sua pregação se tornou rígida.  Ele teve pouco sucesso entre os mecanos, e uma tentativa que fez para pregar na cidade de Taif foi um fracasso.  Sua missão não estava prosseguindo da forma que ele esperava, quando, na estação da peregrinação anual, ele encontrou um pequeno grupo de homens que o ouviram com satisfação.

(parte 5 de 12): Preparando a Etapa para Migração

Homens de Yathrib

Eles vieram de Yathrib realizar a peregrinação (Hajj), uma cidade há mais de trezentos quilômetros de distância, que desde então se tornou a mundialmente famosa al-Medina, “a Cidade” por excelência.  Yathrib foi favorecida por sua localização em um oásis agradável, famoso mesmo nos dias de hoje pela excelência de suas tâmaras, mas prejudicada em todas as outras formas.  O oásis tinha sido a cena de lutas tribais praticamente incessantes.  Judeus combatiam judeus e árabes combatiam árabes; os árabes se aliavam com os judeus e combatiam outros árabes aliados com uma comunidade judaica diferente.  Enquanto Meca prosperava, Yathrib vivia em miséria.  Precisava de um líder capaz de unir seu povo.

Em Yathrib havia tribos judaicas com rabinos sábios que com frequência falavam aos pagãos de um Profeta que logo chegaria entre os judeus, com quem, quando chegasse, os judeus destruiriam os árabes como as tribos de Aad e Tamude tinham sido destruídas por sua idolatria.

O Profeta Muhammad, que a misericórdia e bênçãos de Deus estejam sobre ele, nessa etapa em seu chamado visitava secretamente tribos diferentes nas cercanias de Meca para transmitir-lhes a mensagem do Islã.  Uma vez ao entreouvir um grupo de homens em Aqaba, um local fora de Meca, pediu para se sentar com eles e foi recebido com alegria.   Quando os homens da tribo dos Khazraj de Yathrib ouviram o que Muhammad tinha a dizer, o reconheceram como o Profeta que os judeus lhes tinham descrito, e todos os seis homens aceitaram o Islã.  Também esperavam que Muhammad, através de sua nova religião, pudesse ser o homem que os uniria com sua tribo irmã, os Aws, uma tribo em Yathrib com quem compartilhavam uma linhagem comum, mas tinham grandes problemas com anos de guerra e animosidade.  Determinaram-se a retornar para Yathrib e propagar a religião de Muhammad.  Como resultado, não existia nenhuma casa em Yathrib que não tivesse ouvido a mensagem do Islã e na próxima estação de peregrinação, no ano de 621, uma delegação veio de Yathrib com o propósito de encontrar o Profeta.

Primeiro Pacto de Aqaba

Essa delegação era composta de doze homens, cinco dos presentes no ano anterior e dois membros dos Aws.  Encontraram o Profeta novamente em Aqaba e se comprometeram em seus próprios nomes e nos nomes de suas esposas a não associarem nenhuma criação com Deus (para se tornarem muçulmanos), não roubar, não cometer adultério e não matar seus bebês, mesmo na mais terrível pobreza; e prometeram obedecer a esse homem em todas as coisas justas.  Esse foi o Primeiro Pacto de Aqaba.  Quando retornaram à Yathrib o Profeta enviou com eles seu primeiro embaixador, Mus’ab ibn ‘Umair, para ensinar aos novos convertidos os rudimentos da fé e propagar a religião para aqueles que ainda não tinham abraçado o Islã.

Mus’ab pregou a mensagem do Islã até que quase toda família em Yathrib tivesse um muçulmano em seu meio, e antes do Hajj do ano seguinte, 622, Mus’ab retornou para o Profeta e lhe deu as boas novas de sua missão, e da bondade e força de Yathrib e seu povo.

Segundo Pacto de Aqaba

Em 622, peregrinos de Yathrib, setenta e cinco deles muçulmanos, entre eles duas mulheres, vieram para realizar o Hajj.  Durante a última parte de uma noite, enquanto todos dormiam, os muçulmanos entre os peregrinos de Yathrib secretamente chegaram ao lugar que tinham previamente combinado de encontrar o Profeta, nas rochas de Aqaba, para prestar aliança ao Profeta e convidá-lo para sua cidade.  Em Aqaba encontraram o Profeta, e com ele estava seu tio, que continuava um pagão mas defendia seu sobrinho devido a laços de família.  Ele falou e alertou os muçulmanos sobre os perigos de sua tarefa, e que era contrária ao seu compromisso se a empreendessem.  Outra pessoa dos peregrinos que estava presente nos dois anos anteriores também se levantou e alertou contra o perigo do seu compromisso e sua preparação para executá-lo.  Em sua determinação e amor pelo Profeta, juraram defendê-lo com suas próprias vidas, de suas esposas e filhos.  Foi então que a Hégira, a emigração para Yathrib, foi decidida.

Ficou conhecido como o Pacto de Guerra, porque envolvia proteger a pessoa do Profeta, através de armas se necessário; e logo após a emigração para Yathrib os versículos corânicos com permissão para guerra em defesa da religião foram revelados.  Os versículos são cruciais na história do Islã:

“Ele permitiu (o combate) aos que foram atacados; em verdade, Deus é Poderoso para socorrê-los. São aqueles que foram expulsos injustamente dos seus lares, só porque disseram: Nosso Senhor é Deus! E se Deus não tivesse refreado os instintos malignos de uns em relação aos outros, teriam sido destruídos mosteiros, igrejas, sinagogas e mesquitas, onde o nome de Deus é freqüentemente celebrado. Sabei que Deus secundará quem O secundar, em Sua causa, porque é Forte, Poderosíssimo.” (Alcorão 22:39-40)

Havia chegado um momento decisivo para o Profeta Muhammad, para os muçulmanos e para o mundo.  Era destino do Profeta Muhammad, e um aspecto de sua função profética, que demonstrasse as alternativas para os perseguidos e os oprimidos; de um lado, paciência, de outro, o que é chamado pelos cristãos a ‘guerra justa’, mas pela qual, nas palavras de uma revelação corânica posterior –“corrupção certamente cobriria a terra” (Alcorão 2: 251).  Por quase treze anos ele e seus seguidores sofreram perseguição, ameaças e insultos sem levantarem a mão para se defenderem.  Provaram que isso era humanamente possível.  As circunstâncias agora estavam mudando e requeriam uma resposta muito diferente para que a religião do Islã sobrevivesse no mundo.  A paz tem suas estações, mas a guerra também, e o muçulmano nunca esquece que todo homem nasce para lutar de uma forma ou de outra, em um nível ou outro, se não fisicamente, então espiritualmente.  Aqueles que tentam ignorar esse fato são, mais cedo ou mais tarde, escravizados.

Conspiração para Assassinar o Profeta

Em pequenos grupos os muçulmanos saíram de Meca e pegaram a estrada para Yathrib.  A Hégira (‘emigração’) havia começado.

Para os Coraixitas os limites do aceitável haviam sido ultrapassados. Ter inimigos dentro da cidade era ruim o bastante, mas agora esses inimigos estavam estabelecendo um centro rival ao norte.  A morte de Abu Talib havia removido o chefe protetor de Muhammad.  Contidos até aqui por princípios herdados de seus antepassados beduínos e pelo temor de causar uma briga sangrenta e problemática, os líderes finalmente decidiram que Muhammad, que a misericórdia e bênçãos de Deus estejam sobre ele, devia morrer.  Abu Jahl propôs um plano simples.  Os jovens deviam ser escolhidos de diferentes clãs, cada um dando um golpe mortal, para que o sangue de Muhammad estivesse nas mãos de todos eles.  O clã Hashim não poderia exigir vingança de todos os outros clãs.

(parte 6 de 12): A Hégira do Profeta

A Hégira (23 de setembro de 622 EC)

Enquanto isso, o Profeta, com uns poucos íntimos, esperava a ordem divina para se unir aos muçulmanos em Yathrib.  Não estava livre para emigrar até que esse comando viesse.  Finalmente o comando veio.  Ele deu um manto para Ali, dizendo-lhe para deitar na cama de modo que qualquer um que olhasse pensasse que Muhammad estava deitado lá.  Os assassinos deviam atacá-lo quando saísse da casa, à noite ou cedo pela manhã.  Ele sabia que não feririam Ali.  Os assassinos já estavam cercando sua casa quando o Profeta Muhammad saiu sem ser visto.  Foi para a casa de Abu Bakr e o chamou, e ambos foram juntos para uma caverna em um monte deserto, se escondendo lá até que a confusão tivesse passado.  O filho e filha de Abu Bakr e seu pastor lhes trouxeram comida e novidades depois da noite cair.  Uma vez, um grupo de busca chegou tão perto de seu esconderijo que puderam ouvir suas palavras.  Abu Bakr estava com medo e disse: “Ó Mensageiro de Deus, se um deles olhar para o próprio pé, nos verá!” O Profeta respondeu:

“O que você pensa de duas pessoas com as quais Deus é o Terceiro? Não fique triste, porque de fato Deus está conosco.” (Saheeh Al-Bukhari)

Quando o grupo de busca partiu, Abu Bakr recebeu os camelos e o guia na caverna à noite, e partiram para a longa cavalgada até Yathrib.

Depois de viajarem por muitos dias através de caminhos ermos, os fugitivos alcançaram um subúrbio de Yathrib chamado Qubaa, onde, algumas semanas antes, o povo da cidade ouviu que o Profeta tinha deixado Meca e, portanto, iam para os montes locais todas as manhãs, esperando pelo Profeta até que o calor os levasse a buscar abrigo.   Os viajantes chegaram no calor do dia, após os observadores terem se retirado.  Um judeu que estava fora o viu se aproximando e avisou os muçulmanos que aquele que esperavam tinha finalmente chegado, e os muçulmanos foram para os montes de Qubaa para saudá-lo.

O Profeta ficou em Qubaa por alguns dias, e lá estabeleceu a primeira mesquita do Islã.  Ali, que tinha deixado Meca a pé três dias depois do Profeta, tinha chegado também.  O Profeta, seus companheiros de Meca e os “Ajudantes” de Qubaa o levaram para Medina, onde tinham antecipado ansiosamente sua chegada.

Os habitantes de Medina nunca viram um dia mais animado em sua história.  Anas, um amigo próximo do Profeta, disse:

“Eu estava presente no dia que ele entrou em Medina e nunca vi um dia melhor ou mais animado que o dia que ele chegou para nós em Medina. E estava presente no dia que ele morreu, e nunca vi um dia pior ou mais triste do que o dia no qual ele morreu.” (Ahmed)

Toda casa em Medina queria que o Profeta ficasse com eles, e alguns tentaram levar sua camela para suas casas.  O Profeta os impediu e disse:

“Deixe-a, porque ela está sob Comando (Divino)”.

Ela passou por muitas casas até que parou e se ajoelhou na terra de Banu Najjaar.  O Profeta não desceu até que a camela se levantou e andou um pouco, e então se voltou para o local original e se ajoelhou novamente.  Nesse momento o Profeta desceu.  Ele ficou feliz com sua escolha, porque Banu Najjaar eram seus tios maternos e ele também desejava honrá-los.  Quando indivíduos da família pediram que entrassem em suas casas, um certo Abu Ayyoub se adiantou para cuidar de sua sela e a levou para sua casa.  O Profeta disse:

“Um homem vai com sua sela.” (Saheeh Al-Bukhari, Saheeh Muslim)

A primeira tarefa que empreendeu em Medina foi construir uma mesquita.  O Profeta, que a misericórdia e as bênçãos de Deus estejam sobre ele, perguntou aos dois meninos que eram proprietários do armazém de tâmaras o preço do depósito. Eles responderam: “Não, faremos dele um presente para ti, Ó Profeta (que a misericórdia e as bênçãos de Deus estejam sobre ele) de Deus!” O Profeta (que a misericórdia e as bênçãos de Deus estejam sobre ele), entretanto, recusou sua oferta, pagou seu preço e construiu uma mesquita, tomando parte em sua construção.  Enquanto trabalhava, foi ouvido dizendo:

“Ó Deus! Não há bondade exceto a da Vida Futura então, por favor, perdoe os Ajudantes e os Emigrantes.” (Saheeh Al-Bukhari)

A mesquita servia como local de adoração para os muçulmanos.  A oração que antes era um ato individual realizado em segredo agora se tornou um assunto público, um que simboliza uma sociedade muçulmana.  O período no qual os muçulmanos e o Islã estavam subjugados e oprimidos tinha acabado e agora o adhan, o chamado para oração, seria feito em voz alta, ecoando e penetrando as paredes de toda casa, chamando e lembrando os muçulmanos de cumprirem sua obrigação com seu Criador.   A mesquita era um símbolo da sociedade islâmica.  Era um local de adoração, uma escola onde os muçulmanos se iluminavam sobre as verdades da religião, um local de reunião onde as diferenças de várias partes em conflito se resolviam, e um prédio administrativo a partir do qual os assuntos referentes à sociedade emanavam, um verdadeiro exemplo de como o Islã incorpora todos os aspectos da vida na religião.  Todas essas tarefas eram empreendidas em um local construído sobre os troncos de tamareiras cobertos com suas folhas.

Quando a primeira e mais importante tarefa foi concluída, ele também fez casas em ambos os lados da mesquita para sua família, dos mesmos materiais.  A mesquita e a casa do Profeta em Medina continuam hoje no mesmo lugar.

A Hégira havia sido completada.  Era 23 de setembro de 622, e a Era Islâmica, o calendário muçulmano, começa no dia que esse evento ocorreu.  E desse dia em diante Yathrib recebeu um novo nome, um nome de glória: Madinat-un-Nabi, Cidade do Profeta, resumido, Medina.

Assim foi a Hégira, a emigração de Meca para Yathrib.  Os treze anos de humilhação, perseguição, de sucesso limitado, e de profecia ainda por se cumprir estavam para trás.

Os dez anos de sucesso, a plenitude que coroou o empenho de um homem, tinham começado.  A Hégira fez uma divisão clara na história da Missão do Profeta, que é evidente do Alcorão.  Até então ele tinha sido apenas um pregador.  Dali em diante ele era o governante de um Estado, a princípio muito pequeno, mas que cresceu em dez anos para se tornar o império da Arábia.  O tipo de orientação que ele e seu povo precisavam depois da Hégira não era o mesmo daquele que tinham precisado antes.  Os capítulos de Medina diferem, consequentemente, dos capítulos de Meca.  Os últimos dão orientação à alma individual e ao Profeta como Admoestador: os primeiros dão orientação a uma comunidade social e política e ao Profeta como exemplo, legislador e reformador.

(parte 7 de 12): Uma Nova Etapa em Medina

A principal refeição do Profeta Muhammad usualmente era mingau cozido com tâmaras e leite, sua única outra refeição do dia era tâmaras e água; mas ele frequentemente ficava com fome, e às vezes até colocava pedras sobre seu estômago para aliviar seu desconforto.  Um dia uma mulher lhe deu um manto – algo que ele precisava muito – mas na mesma noite alguém pediu o manto para fazer uma mortalha e ele prontamente o deu como caridade.  Os que tinham algum excedente traziam-lhe comida, mas parecia que ele nunca conseguia mantê-la por tempo suficiente para prová-la, já que sempre havia alguém em necessidade maior.  Com a força física diminuída – agora com cinquenta e dois anos – ele lutava para construir uma nação baseada na verdadeira religião do Islã a partir do variado sortimento de pessoas que Deus lhe deu como matéria-prima.

Por força do caráter combinado com extraordinária habilidade diplomática, o Profeta Muhammad começou a reconciliar as facções em luta de Medina.  Com seus outros companheiros também emigrando, era de suma importância um sistema de suporte para os recém-chegados.  Para unir os ‘emigrantes’ (Muhājirūn) com os muçulmanos locais, os ‘ajudantes’ (Ansār), ele estabeleceu um sistema de relações pessoais: cada ‘ajudante’ tomava um ‘emigrante’ como seu irmão, para ser tratado como tal sob todas as circunstâncias e para participar da herança junto com membros da família natural.  Com poucas exceções os ‘emigrantes’ tinham perdido tudo que possuíam e estavam completamente dependentes de seus novos irmãos.  Os Ajudantes às vezes chegavam a ponto de dar a seus irmãos Emigrantes metade do que possuíam em casas, bens, terras e pomares.  Tal era o entusiasmo dos Ajudantes em compartilhar tudo com seus irmãos na fé que dividiam tudo em duas partes para alocar sua porção.  Na maioria dos casos, tentavam dar aos Emigrantes a porção mais justa de sua propriedade.

Se é tentado a descrever como um ‘milagre’ o fato dessa situação não ter causado qualquer ressentimento entre aqueles que de forma tão repentina eram obrigados a incluir pessoas totalmente estranhas em suas famílias.   Esse laço de irmandade quebrou os de linhagem, cor, nacionalidade e outros fatores que antes eram considerados como um padrão de honra.  Os únicos laços que importavam agora eram religiosos.   Raramente o poder da fé em mudar os homens foi demonstrado de forma mais clara.

Os muçulmanos de Meca, entretanto, não tinham esquecido suas antigas habilidades.  Quando seu novo irmão lhe disse: ‘Ó mais pobre dos pobres, como posso ajudá-lo? Minha casa e meus fundos estão a seu dispor!’, um ‘emigrante’ respondeu: ‘Ó mais gentil dos amigos gentis, apenas me mostre o caminho para o mercado local. O resto virá.’ Diz-se que esse homem começou vendendo queijo e manteiga e logo ficou rico o suficiente para pagar o dote de uma moça local e, no devido curso, foi capaz de equipar uma caravana de 700 camelos.

Esse tipo de empreendimento era encorajado, mas existiam também aqueles que não tinham habilidade para fazê-lo e nem tinham família ou propriedade.  Passavam o dia na mesquita e à noite o Profeta os colocava com vários indivíduos dos Ajudantes.  Ficaram conhecidos como ‘Ahl us-Suffa.’ Alguns eram alimentados na própria mesa do Profeta, quando havia algo, e com cevada tostada da comunidade.

No primeiro ano desse reino em Yathrib o Profeta fez uma aliança solene de obrigação mútua entre seu povo e as tribos judaicas de Medina e áreas vizinhas, na qual ficou acordado que teriam status igual como cidadãos de um estado e plena liberdade religiosa, e que defenderiam uns aos outros se fossem atacados.

Mas sua idéia de um Profeta era a de um que lhes daria domínio, e um profeta judeu, não um árabe.  Os judeus também tinham lucrado muito com a rivalidade entre as tribos árabes, uma vez que era através dessa instabilidade da região que tinham conseguido o predomínio no comércio e mercadorias.  A paz entre as tribos de Medina e áreas vizinhas era uma ameaça aos judeus.

Além disso, entre os habitantes de Medina existiam aqueles que se ressentiam dos recém-chegados, mas que mantinham a paz por enquanto.  O mais poderoso deles, Abdullah ibn Ubayy ibn Salool, estava extremamente ressentido com a chegada do Profeta, uma vez que ele era o líder de fato de Yathrib antes do Profeta.  Ele aceitou o Islã como simples formalidade, embora mais tarde viesse a trair os muçulmanos como o líder dos ‘hipócritas.’

Devido a esse ódio comum em relação ao Profeta, aos muçulmanos, e à nova situação de Yathrib, a aliança entre os judeus e os ‘hipócritas’ de Medina era quase inevitável.  Ao longo da história dos muçulmanos em Medina, eles tentaram seduzir os seguidores da nova religião, conspirando e tramando constantemente contra eles.  Devido a isso, existe menção frequente dos judeus e hipócritas nos capítulos de Medina do Alcorão.

A Qibla

A Qibla (a direção para a qual os muçulmanos se viram quando oram) até esse ponto tinha sido Jerusalém.  Os judeus imaginavam que a escolha implicava uma inclinação em relação ao Judaísmo e que o Profeta precisava de sua instrução.  O Profeta queria que a Qibla fosse mudada para a Caaba.  O primeiro lugar na terra construído para a adoração de Deus, e reconstruído por Abraão.  No segundo ano depois da migração, o Profeta recebeu o comando para mudar a Qibla de Jerusalém para a Caaba em Meca.  Uma porção inteira da Surata Al-Bácara se refere a essa controvérsia judaica.

As Primeiras Expedições

A primeira preocupação do Profeta como governante era estabelecer adoração pública e formular a constituição do Estado: mas ele não esqueceu que os Coraixitas tinham jurado dar fim à sua religião.  Enfurecidos porque o Profeta tinha tido sucesso em migrar para Medina, eles aumentaram sua tortura e perseguição aos muçulmanos que ficaram para trás em Meca.  Suas tramas maléficas não ficaram nisso.  Também tentaram fazer alianças secretas com alguns politeístas de Medina, como Abdullah ibn Ubayy anteriormente mencionado, ordenando que ele matasse ou expulsasse o Profeta.  Os Coraixitas com frequência enviavam mensagens ameaçadoras para os muçulmanos de Medina alertando-os de sua aniquilação, e tantas notícias sobre conspirações e tramas chegaram ao Profeta que ele pediu o posicionamento de guardas ao redor de sua casa.  Foi nessa época que Deus deu permissão aos muçulmanos para lutar contra os descrentes.

Por treze anos tinham sido pacifistas estritos.  Agora, entretanto, várias expedições pequenas foram enviadas, lideradas pelo próprio Profeta ou por algum outro dos emigrantes de Meca com o propósito de fazer um reconhecimento das rotas que levavam até Meca, e também formar alianças com outras tribos.  Outras expedições eram lideradas para interceptar algumas caravanas retornando da Síria em rota para Meca, uma forma dos muçulmanos fazerem pressão econômica sobre os Coraixitas e acabar seu assédio dos muçulmanos, tanto em Meca quanto em Medina.  Poucas dessas expedições resultaram em batalha, mas através delas os muçulmanos estabeleceram sua nova posição na Península Árabe, a de que não eram mais um povo fraco e oprimido, mas ao contrário que sua força tinha crescido e eram agora um poder formidável nada fácil de lidar.

(parte 8 de 12): A Campanha de Badr

A Campanha de Badr

Em uma expedição a caravana coraixita em rota para Síria escapou dos muçulmanos.  Os muçulmanos esperavam por seu retorno.  Alguns batedores dos muçulmanos viram a caravana, liderada pelo próprio Abu Sufyan, passar por eles, e correram para informar ao Profeta disso e de seu tamanho.   Se essa caravana fosse interceptada seria um grande impacto econômico, um que abalaria toda a sociedade dos mecanos.  Os batedores muçulmanos relataram que a caravana faria uma parada nos poços de Badr, e os muçulmanos se preparavam para interceptá-la.

Notícias sobre essas preparações chegaram a Abu Sufyan em sua jornada ao sul, e ele enviou uma mensagem urgente para Meca para que um exército fosse despachado para líder com os muçulmanos.  Percebendo as consequências catastróficas se a caravana fosse interceptada, imediatamente reuniram todo o poder possível e partiram para encontrar os muçulmanos.  No caminho para Badr o exército recebeu as notícias de que Abu Sufyan tinha conseguido escapar dos muçulmanos levando a caravana por uma rota alternativa junto ao litoral.  O exército de Meca, com aproximadamente mil homens, persistiu em Badr para ensinar uma lição aos muçulmanos, dissuadindo-os de atacar quaisquer caravanas no futuro.

Quando os muçulmanos tomaram conhecimento do avanço do exército de Meca, souberam que um passo ousado teria que ser dado.  Se os muçulmanos não os encontrassem em Badr, os mecanos continuaram a minar a causa do Islã de todas as formas, possivelmente indo até Medina para destruir propriedades e bens lá.  O Profeta, que a misericórdia e bênçãos de Deus estejam sobre ele, reuniu um conselho consultivo para determinar o curso de ação.  O Profeta não queria liderar os muçulmanos, especialmente os Ajudantes que eram a maioria do exército e não estavam obrigados pelo Pacto de Aqaba a lutar além de seus territórios, em algo com o qual não concordassem.

Um homem dos Ajudantes, Sa’d ibn Mu’aadh, reafirmou sua devoção ao Profeta e à causa do Islã.  A seguir estão suas palavras:

“Ó Profeta de Deus! Acreditamos em você e testemunhamos o que nos concedeu, e declaramos em termos inequívocos que o que trouxe é a Verdade.  Damos-lhe nosso firme compromisso de obediência e sacrifício.  Obedeceremos de boa vontade no que quer que nos ordene, e por Deus Que o enviou com a Verdade, se nos pedir para mergulhar no mar, o faremos imediatamente, e nenhum homem ficará para trás.  Não rejeitamos a idéia de encontrar o inimigo.  Temos experiência em guerra e somos confiáveis em combate.  Esperamos que Deus lhe mostre através de nossas mãos aqueles atos de valor que agradarão seus olhos.  Lidere-nos no campo de batalha em Nome de Deus.

Depois dessa demonstração de extremo apoio e amor pelo Profeta e pelo Islã tanto por parte dos Emigrantes quanto dos Ajudantes, os muçulmanos, em número um pouco acima de 300, se prepararam da melhor forma possível para Badr.  Tinham apenas setenta camelos e três cavalos e por isso os homens cavalgavam em turnos.  Prosseguiram para o que é conhecido na história como al- Yawm al-Furqan, o Dia do Discernimento; discernimento entre luz e trevas, bem e mal, certo e errado.

Precedendo o dia da batalha, o Profeta passou a noite toda em oração e súplica.  A batalha foi travada em 17 de Ramadã no segundo ano da Hégira, 624 EC.  Era costume para os árabes começarem as batalhas com duelos individuais.  Os muçulmanos ganharam uma vantagem nos duelos e alguns escribas dos Coraixitas foram mortos.  Os Coraixitas ficaram enfurecidos e caíram sobre os muçulmanos para exterminá-los de uma vez por todas.  Os muçulmanos mantiveram a posição estratégica de defesa, que por sua vez produziu pesadas baixas para os mecanos.  O Profeta implorava a Seu Senhor com toda sua força nesse momento, levantando suas mãos tão alto que seu manto caiu abaixo de seus ombros.  Nesse ponto ele recebeu uma revelação prometendo a ajuda de Deus:

“... Reforçar-vos-ei com mil anjos, que vos chegarão paulatinamente.” (Alcorão 8:9)

 Ao ouvir as boas novas, o Profeta ordenou aos muçulmanos que tomassem a ofensiva.  O grande exército dos Coraixitas foi esmagado pelo zelo, valor e fé dos muçulmanos, e depois de enfrentar pesadas baixas, não havia o que fazer a não ser fugir.  Os muçulmanos ficaram sozinhos no campo com uns poucos mecanos condenados, entre eles o arquiinimigo do Islã, Abu Jahl.  Os Coraixitas foram derrotados e Abu Jahl foi morto.  A promessa de Deus se realizou:

“Logo, a multidão será debelada e debandará.” (Alcorão 54:45)

 Em uma das mais decisivas batalhas na história humana, o total de perdas ficou apenas entre setenta e oitenta.

Meca ficou em choque e Abu Sufyan ficou como a figura dominante na cidade. Ele sabia melhor que ninguém que a situação não poderia ficar como estava.  Sucesso atrai sucesso e as tribos beduínas rapidamente avaliaram que o equilíbrio de poder se direcionava para a aliança com os muçulmanos, e o Islã conquistou muitos novos convertidos em Medina.

(parte 9 de 12): A Traição dos Antigos Aliados

A Batalha no Monte Uhud

De fato, no ano seguinte, um exército de três mil homens veio de Meca para destruir Yathrib.  A primeira idéia do Profeta era meramente defender a cidade, um plano que Ibn Ubayy, o líder dos “Hipócritas” aprovava fortemente.  Mas os homens que lutaram em Badr, acreditando que Deus os ajudaria contra quaisquer desvantagens, pensaram que seria uma vergonha se esconderem atrás de muros.

O Profeta, em aprovação à sua fé e zelo, concordou com eles e seguiu com um exército de mil homens na direção do Monte Uhud, onde o inimigo havia acampado.  Ibn Ubayy se retirou com seus homens, que eram um terço do exército, em retaliação.    Apesar das grandes desvantagens, a batalha no Monte de Uhud teria sido uma vitória ainda maior do que a de Badr para os muçulmanos, mas fracassou por causa da desobediência de um grupo de cinquenta arqueiros que o Profeta tinha determinado que guardasse a passagem da cavalaria inimiga.  Ao ver seus companheiros vitoriosos, esses homens deixaram seus postos temendo perder sua parte nos espólios.  A cavalaria dos Coraixitas cavalgou através da passagem e caiu sobre os muçulmanos exultantes.  O próprio Profeta foi ferido e surgiram gritos de que ele tinha sido morto, até que alguém o reconheceu e gritou que ele continuava vivo: isso fez com que os muçulmanos se reagrupassem.  Reunidos em torno do Profeta, se retiraram, deixando muitos mortos no declive.  O campo pertencia aos mecanos e agora as mulheres dos Coraixitas se moviam entre os corpos, lamentando a morte daqueles de seu próprio povo e mutilando os mortos muçulmanos.  Hamzah, o jovem tio do Profeta e amigo de infância estava entre os últimos, e a abominável Hind, mulher de Abu Sufyan, que tinha um ressentimento particular em relação a ele e havia oferecido recompensa ao homem que o matasse, comeu seu fígado, retirado do corpo ainda quente.  No dia seguinte o Profeta mais uma vez saiu com o que havia restado do exército, para que os Coraixitas ouvissem que ele estava no campo e talvez dessa forma impedi-los de atacar a cidade.  O estratagema deu certo, graças ao comportamento de um beduíno amigo que encontrou os muçulmanos, conversou com eles e depois encontrou o exército dos Coraixitas.  Questionado por Abu Sufyan ele disse que Muhammad estava no campo, mais forte do que nunca, e sedento por revanche pelo dia anterior.  Com essa informação Abu Sufyan decidiu retornar à Meca.

Massacre de Muçulmanos

O revés que sofreram no Monte Uhud diminuiu o prestígio dos muçulmanos com as tribos árabes e também com os judeus de Yathrib.  As tribos que tinham se voltado para os muçulmanos agora se voltavam para os Coraixitas.  Os seguidores do Profeta eram atacados e assassinados quando saíam em pequenos grupos.  Khubaib, um dos seus emissários, foi capturado por uma tribo do deserto e vendido aos Coraixitas, que o torturaram até a morte publicamente em Meca.

Expulsão de Bani Nadir

Os judeus, apesar de seu tratado com os muçulmanos, agora não ocultavam sua hostilidade.  Começaram a negociar alianças com os Coraixitas e os ‘hipócritas’ e até tentaram assassinar o Profeta.  O Profeta foi obrigado a adotar ação punitiva contra alguns deles.  A tribo de Bani Nadir foi cercada em suas fortes torres, subjugada e forçada a emigrar.

A Guerra da Trincheira

Abu Sufyan deve ter entendido muito bem que o velho jogo da retaliação não era mais válido.  Os muçulmanos deviam ser destruídos ou o jogo estaria perdido para sempre.  Com grande habilidade diplomática se dedicou a formar uma confederação de tribos beduínas, algumas eram, sem dúvida, contrárias aos muçulmanos, mas outras meramente ansiavam por pilhagem. Ao mesmo tempo ele começou discretamente a sondar os judeus em Medina sobre uma possível aliança.  No quinto ano da Hégira (início de 627 EC) ele partiu com 10.000 homens, o maior exército jamais visto em Hijaz (a região ocidental da Península Árabe).  Medina podia conseguir no máximo 3.000 para enfrentá-lo.

O Profeta presidiu um conselho de guerra e nesse momento ninguém sugeriu sair para encontrar o inimigo.  A única questão era como a cidade poderia se defender.  Nesse ponto Salman, o persa, um ex-escravo que tinha se tornado um dos companheiros mais próximos, sugeriu cava uma trincheira profunda para unir os pontos fortes de defesa formados pelos campos de lava e por construções fortificadas.   Isso era algo que jamais se tinha ouvido falar em uma guerra árabe, mas o Profeta imediatamente apreciou os méritos do plano e começou a trabalhar, carregando entulhos das escavações em suas costas.

O trabalho mal tinha sido concluído quando o exército confederado apareceu no horizonte.  Enquanto os muçulmanos esperavam pelo ataque, chegaram notícias de que Bani Quraida, uma tribo judaica de Yathrib que tinha, até então, sido leal, tinha desertado para o inimigo.  O caso parecia desesperado.  O Profeta trouxe todo homem disponível para a trincheira, deixando a cidade sob o comando de um companheiro cego, e o inimigo foi enfrentado com uma chuva de flechas que surgiram do obstáculo inesperado.  Eles nunca o cruzaram, mas permaneceram em posição por três ou quatro semanas, trocando flechas e insultos com os defensores.  O clima ficou severo, com ventos gelados e uma tremenda chuva, e foi demais para os confederados beduínos.  Tinham vindo com a expectativa de uma pilhagem fácil e não viram nada a ganhar para se agacharem ao lado de uma trincheira lamacenta em um clima assustador, observando seus animais morrerem por falta de forragem.  Foram embora sem se despedirem de Abu Sufyan.  O exército se desintegrou e ele próprio foi forçado a recuar.  O jogo estava acabado.  Ele havia perdido.

(parte 10 de 12): O Tratado de Hudaibiyyah

Punição de Bani Quraida

Nada é pior, aos olhos árabes, do que a traição da confiança e a quebra de um compromisso solene.  Agora era hora de lidar com Bani Quraida.  No dia do retorno da trincheira o Profeta ordenou guerra aos traidores Bani Quraida, que, conscientes de sua culpa, já tinham ido para suas fortalezas.  Depois de um cerco de quase um mês eles tiveram que se render incondicionalmente.  Apenas imploraram para que fossem julgados por um membro da tribo árabe a qual pertenciam.  Escolheram o chefe do clã com o qual tinham aliança há muito tempo, Sa’d ibn Mu’ādh dos Aws, que estava morrendo dos ferimentos recebidos em Uhud e teve que se restabelecer para dar o julgamento.  Sem hesitação ele condenou os homens da tribo à morte.

Hudaibiyyah

No mesmo ano o Profeta teve uma visão na qual entrava em Meca sem receber oposição e assim resolveu tentar a peregrinação.  Junto com vários muçulmanos de Medina, ele chamou os árabes amigos para acompanhá-lo, cujos números haviam aumentado desde a milagrosa derrota dos clãs na Batalha da Trincheira, mas a maioria deles não respondeu.  Vestidos como peregrinos e levando as ofertas costumeiras, um grupo de quatorze homens viajou para Meca.  Quando se aproximaram do vale encontraram um amigo da cidade, que avisou o Profeta de que os Coraixitas tinham jurado impedir sua entrada no santuário; sua cavalaria estava na estrada adiante.  Ao saber disso o Profeta ordenou um desvio através dos desfiladeiros da montanha, e por isso os muçulmanos estavam exaustos quando finalmente desceram no vale de Meca e acamparam em um local chamado Hudaybiyyah; dali ele tentou abrir negociações com os Coraixitas, para explicar que vinha apenas como peregrino.  O primeiro mensageiro que enviou para a cidade foi maltratado e seu camelo teve o tendão cortado.  Ele retornou sem dar sua mensagem.  Os Coraixitas, por outro lado, enviaram um emissário com tom ameaçador e que era muito arrogante.  Outro de seus emissários falou de forma muito íntima ao Profeta, e teve que ser lembrado de forma rígida do respeito devido a ele.  Foi ele que falou, em seu retorno para a cidade de Meca: “Já vi César e Cosroes em sua pompa, mas nunca vi um homem honrado como Muhammad é honrado por seus companheiros.”

O Profeta procurou enviar um mensageiro que imporia respeito.  Uthman foi finalmente escolhido por causa de seu parentesco com a poderosa família Omíada.  Enquanto os muçulmanos esperavam seu retorno chegou a notícia de que ele tinha sido assassinado.  Foi então que o Profeta, sentado sob uma árvore em Hudaybiyyah, recebeu um compromisso de todos os seus companheiros de que ficariam de pé ou cairiam juntos.  Pouco depois, entretanto, se soube que Uthman não havia sido assassinado.  Então uma tropa que saiu da cidade para molestar os muçulmanos em seu campo foi capturada antes que pudesse fazer qualquer mal e trazida perante o Profeta, que os perdoou diante de sua promessa de renunciarem à hostilidade.

Tratado de Hudaibiyyah

Finalmente emissários adequados vieram dos Coraixitas.  Depois de alguma negociação o tratado de Hudaybiyyah foi assinado.  Estipulava que por dez anos não haveria hostilidades entre as partes.  O Profeta devia retornar para Medina sem visitar a Caaba, mas poderia realizar a peregrinação no ano seguinte com seus companheiros. Os Coraixitas prometeram que evacuariam Meca para permitir que isso acontecesse.  Os desertores dos Coraixitas para os muçulmanos durante o período do tratado deviam ser devolvidos; mas não os desertores dos muçulmanos para os Coraixitas.  Qualquer tribo ou clã que desejasse fazer parte do tratado como aliados do Profeta poderia fazê-lo, e qualquer tribo ou clã que desejasse fazer parte do tratado como aliados dos Coraixitas poderia fazê-lo.  Houve decepção entre os muçulmanos em relação a esses termos.  Eles se perguntaram: “Onde está a vitória que nos foi prometida?”

Foi durante a viagem de volta de Hudaybiyyah que a surata chamada “Vitória” foi revelada.  Esse tratado provou ser, de fato, a maior vitória que os muçulmanos tinham alcançado até então.  A guerra tinha sido uma barreira entre eles e os idólatras, mas agora ambos os lados se encontravam e conversavam, e a nova religião se espalhou de forma mais rápida.  Nos dois anos entre a assinatura do tratado e a queda de Meca o número de convertidos foi maior que o número total de todos os convertidos anteriores.  O Profeta viajou para Hudaybiyyah com 1.400 homens.  Dois anos depois, quando os mecanos quebraram o tratado, marchou contra eles com um exército de 10.000.

 (parte 11 de 12): O Retorno à Meca

A Campanha de Khaibar

No sétimo ano da Hégira o Profeta, que Deus o louve, liderou uma campanha contra Khaibar, a fortaleza das tribos judaicas na Arábia do Norte, que se tornou um vespeiro de seus inimigos.  Os judeus de Khaibar se tornaram arrendatários dos muçulmanos.  Foi em Khaibar que uma mulher judia preparou carne envenenada para o Profeta, da qual ele só provou um pequeno pedaço.  Mal o pedaço tocou seus lábios ele percebeu que estava envenenado.  Sem engoli-lo, avisou seus companheiros do veneno, mas um muçulmano, que já tinha engolido uma boa porção, morreu depois.  A mulher que cozinhou a carne foi condenada à morte.

Peregrinação à Meca

No mesmo ano a visão do Profeta foi cumprida: ele visitou Meca sem enfrentar oposição.  De acordo com os termos do tratado os idólatras evacuavam a cidade e das montanhas vizinhas observavam o procedimento dos muçulmanos.

Tratado quebrado pelos Coraixitas

Um pouco depois, uma tribo aliada dos Coraixitas quebrou o tratado atacando uma tribo que era aliada do Profeta, massacrando-os no santuário em Meca.  Depois ficaram com medo do que tinham feito.  Enviaram Abu Sufyan para Medina para pedir que o tratado existente fosse renovado e seu termo prolongado.  Esperavam que ele chegasse antes da notícia do massacre.  Mas um mensageiro da tribo atacada chegou antes dele e Abu Sufyan falhou novamente.

Conquista de Meca

Então o Profeta convocou todos os muçulmanos capazes de portar armas e marchou para Meca.  Os Coraixitas estavam apavorados.  Sua cavalaria se postou antes da cidade, mas foi desbaratada sem derramamento de sangue; e o Profeta entrou em sua cidade natal como conquistador.

Os habitantes esperavam vingança por seus erros passados, mas o Profeta proclamou uma anistia geral.  Em seu alívio e surpresa, toda a população de Meca correu para jurar lealdade.  O Profeta ordenou que todos os ídolos que estavam no santuário fossem destruídos, dizendo: “A verdade chegou; as trevas se foram”; e o chamado muçulmano para a oração foi ouvido em Meca.

Batalha de Hunain

No mesmo ano houve um encontro enraivecido de tribos pagãs ansiosas para reconquistar a Caaba.  O Profeta liderou doze mil homens contra eles.  Em Hunain, uma ravina profunda, suas tropas foram emboscadas pelo inimigo e quase fugiram.  Foi com dificuldade que foram reunidos ao Profeta e seu corpo de guarda de companheiros fiéis que se mantiverem firmes.  Mas a vitória, quando veio, foi completa e o botim enorme, porque muitas das tribos hostis tinham trazido com elas tudo que possuíam.

Conquista de Taif

A tribo de Taqif estava entre os inimigos em Hunain.  Depois daquela vitória sua cidade de Taif foi cercada pelos muçulmanos e finalmente subjugada.  Então o Profeta nomeou um governador de Meca e ele próprio retornou para Medina para alegria dos Ansar, que temiam que agora que ele tinha reconquistado sua cidade natal, pudesse esquecê-los e fazer de Meca a capital.

A Expedição de Tabuk

No nono ano da Hégira, ao ouvir que um exército estava se reunindo novamente na Síria, o Profeta chamou todos os muçulmanos para suportá-lo em uma grande campanha.  Apesar da enfermidade, o Profeta liderou um exército contra a fronteira Síria no meio do verão.  A longa distância, o calor, o fato de que era tempo de colheita e o prestígio do inimigo fez com que muitos usassem isso como desculpa para ficar para trás e muitos outros se isentaram sem desculpa alguma.  Acamparam aquela noite sem comida ou bebida, se abrigando atrás de seus camelos, e assim alcançaram o oásis de Tabuk, retornando finalmente para Meca depois de converter várias tribos.  Mas a campanha terminou de forma pacífica.  O exército avançou para Tabuk, na fronteira da Síria, mas lá souberam que o inimigo ainda não havia se reunido.

Declaração de Imunidade

Embora Meca tivesse sido conquistada e seu povo fosse agora muçulmano, a ordem oficial da peregrinação não havia mudado; os árabes pagãos a realizavam de sua maneira e os muçulmanos de sua maneira.  Foi apenas depois da caravana de peregrinos ter deixado Medina no nono ano da Hégira, quando o Islã era dominante na Arábia do Norte, que a Declaração de Imunidade, como é chamada, foi revelada.  Seu teor era que depois daquele ano apenas os muçulmanos fariam a peregrinação, com exceção para os idólatras que tinham um tratado em andamento com os muçulmanos e nunca tivessem quebrado seus tratados e nem apoiado ninguém contra aqueles com quem tinham tratados.  Esses desfrutariam os privilégios de seu tratado para o termo acordado, mas quando seu tratado expirasse seriam como os outros idólatras.  Essa proclamação colocou um fim à idolatria na Arábia.

(parte 12 de 12): Dizendo Adeus

A Peregrinação da Despedida

O fim, entretanto, estava se aproximando, e no décimo ano da Hégira ele partiu de Medina com 90.000 muçulmanos de todas as partes da Arábia para realizar o Hajj, a peregrinação.  Essa viagem triunfal do homem envelhecido, exaurido por anos de perseguição e então por luta incessante, é cercada por um tipo de esplendor sombrio, como se um grande aro de luz tivesse finalmente se fechado, cercando o mundo mortal em seu brilho calmo.

No décimo ano da Hégira ele foi para Meca como um peregrino pela última vez, chamada de “peregrinação da despedida” quando da planície de Arafat ele pregou para uma multidão de peregrinos.  Ele os lembrou de todos os deveres que o Islã exigia deles, e que um dia encontrariam seu Senhor, que julgaria cada um de acordo com sua obra.   No fim do discurso, ele perguntou: “Transmiti a Mensagem?” E aquela multidão de homens que há poucos meses ou anos tinham sido idólatras sem consciência gritou: “Ó Deus! Sim!” O Profeta disse: “Ó Deus! Tu és testemunha!” O Islã tinha sido estabelecido e cresceria para ser uma grande árvore abrigando multidões ainda maiores.  Seu trabalho estava feito e ele estava pronto para abrir mão de seu fardo e partir.

Doença e Morte do Profeta

O Profeta retornou para Medina.  Ainda havia trabalho a ser feito; mas um dia ele foi acometido por uma dolorosa doença.  Veio para a mesquita envolvido em um cobertor, e alguns viram os sinais da morte em seu rosto.

“Se houver alguém entre vocês,” ele disse, “a quem eu tenha ordenado que fosse chicoteado injustamente, aqui estão as minhas costas. Bata agora. Se tiver prejudicado a reputação de algum de vocês, ele poderá fazer o mesmo com a minha.”

Ele disse uma vez:

“O que tenho a ver com esse mundo? Eu e esse mundo somos como um cavaleiro e uma árvore sob a qual ele se abriga. Então ele segue seu caminho e a deixa para trás.”

E agora ele disse:

“Existe um servo entre os servos de Deus a quem foi oferecida a escolha entre esse mundo e aquele que está com Ele, e o servo escolheu aquele que está com Deus.”

Em 12 de 12 Rabī’ul-Awwal no décimo primeiro ano da Hégira, que no calendário cristão era 8 de junho de 632, ele entrou na mesquita pela última vez.  Abu Bakr estava liderando a oração e ele fez um gesto para que Abu Bakr continuasse.  Enquanto observava as pessoas, seu rosto ficou radiante.  ‘Nunca vi o rosto do Profeta mais belo do que naquela hora’, disse seu companheiro Anas.  Ao retornar para a casa de Aisha ele deitou sua cabeça em seu colo.  Abriu seus olhos e ela o ouviu murmurar:  ‘Com o companheiro mais nobre no Paraíso...’ Essas foram suas últimas palavras.  Mais tarde, cresceu o rumor de que ele estava morto.  Umar ameaçou aqueles que espalharam o rumor com uma terrível punição, declarando um crime pensar que o Mensageiro de Deus podia morrer.  Estava esbravejando para as pessoas quando Abu Bakr veio para a mesquita e o entreouviu.  Abu Bakr foi para a câmara de sua filha Aisha, onde o Profeta estava deitado.  Tendo se certificado do fato, e beijado a testa do homem morto, voltou para a mesquita.  As pessoas continuavam a ouvir Umar, que dizia que o rumor era uma mentira perversa, que o Profeta, que era sua força vital, não podia morrer. Abu Bakr foi para Umar e tentou pará-lo com um sussurro.  Então, ao perceber que ele não daria atenção, Abu Bakr chamou as pessoas, que, reconhecendo sua voz, deixaram Umar e se reuniram ao seu redor.  Primeiro ele louvou a Deus e então disse as palavras que simbolizam o credo do Islã: “Ó povo! Quanto aquele que costumava adorar Muhammad, Muhammad está morto. Quanto aquele que costumava adorar Deus, Deus está vivo e não morre.” Então recitou o versículo do Alcorão:

“E Muhammad é apenas um mensageiro; mensageiro como aqueles que vieram antes dele. Quando ele morrer or for assassinado, debandarão?Aquele que dá as costas não causa mal a Deus, e Deus recompensará os agradecidos.”